Acordo Ortográfico: "O Presidente tem de cumprir a lei"

por Sandra Salvado - RTP
Rafael Marchante - Reuters

O debate sobre o Acordo Ortográfico está longe de chegar ao fim. Agora é o linguista Malaca Casteleiro, um dos principais impulsionadores daquele instrumento, que vem desvalorizar a demora na aplicação e defender que “não se deve mexer no que está feito”. Isto depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter escrito um artigo de opinião na antiga grafia, dias antes de tomar posse como Presidente da República.

"Não há aqui nenhum fracasso. Há naturalmente um tempo de implementação do acordo que exige, digamos, percursos diferentes para os diferentes países", afirmou o linguista Malaca Casteleiro em declarações aos jornalistas, à margem da Conferência Internacional sobre Ensino e Aprendizagem de Português como Língua Estrangeira, que decorre até sábado na Universidade de Macau.

Acontece que a polémica em torno do acordo ortográfico voltou a ganhar fôlego, principalmente para quem é contra as novas regras. É que a poucos dias da chegada a Belém, a 5 de março, Marcelo Rebelo de Sousa publicou na revista do semanário Expresso um artigo com um significativa opção.

Uma opinião dividida em 13 pontos, em que analisa os desafios colocados a todos os presidentes desde a fundação da República e avalia os riscos do presente e do que há-de vir.

Provavelmente, os mais distraídos não se deram conta de que Marcelo Rebelo de Sousa escreveu os meses do ano com maiúsculas e continuou a usar as consoantes mudas como “excepção”, “directo” ou “carácter” e, em jeito de nota de rodapé, podia ler-se: “Marcelo Rebelo de Sousa escreve de acordo com a antiga ortografia”.



“Há esse debate e há essa expectativa”, reconheceu na altura ao jornal i Pedro Mexia, o agora assessor cultural do novo Presidente da República.

Mexia sempre criticou a nova ortografia, mas sublinhou que “não há nada de novo” no sentido de que venha a haver uma iniciativa presidencial sobre o acordo ortográfico. “A minha posição pessoal não é, nem tem de ser, a do Presidente”, salientou ao mesmo jornal.
Criar empecilhos
"Se está em vias de aplicação em todos os países por que é que agora vamos rever, criar mais um empecilho para se conseguir a unificação ortográfica? É contraproducente. Do ponto de vista da política da língua não é conveniente", disse Malaca casteleiro, citado pela agência Lusa.

E acrescentou: "O Presidente da República tem todo o direito de escrever como ele quiser como cidadão. Quando é Presidente da República tem de cumprir a lei. E, neste momento, o Acordo Ortográfico constitui lei em Portugal e, portanto, tem de ser aplicado. Só isso", afirmou.

Questionado pelos jornalistas, em Macau, sobre se voltaria atrás em algum aspeto do acordo ortográfico, Malaca Casteleiro respondeu que "pode haver algum aperfeiçoamento".

Mas "reservaria esse aperfeiçoamento para depois da sua implantação em todos os países de língua portuguesa".

O certo é que nem todos os membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) ratificaram o acordo ortográfico, subscrito no ano 1990. Um facto que o linguista explica: "Esse trabalho está a ser feito (…) já só falta praticamente Angola e Guiné-Bissau”.

Mesmo sem sinais por parte de Marcelo Rebelo de Sousa, há quem queira trazer o novo Presidente para a discussão do novo acordo ortográfico, como é o caso do presidente da Academia das Ciências.
"Coisas de bradar aos céus"
“Nunca é tarde para corrigir situações que chocam a mentalidade das pessoas”, afirmou, no mês passado, ao jornal i Artur Anselmo, que defende uma revisão do acordo ortográfico.

“O assunto é tão importante que merece que o Presidente da República interfira, chamando a Belém as autoridades linguísticas, porque há coisas de bradar aos céus neste acordo”, disse o presidente da Academia das Ciências.

O gesto do agora Presidente da República foi claramente ponderado e avaliado, mas abriu o debate sobre o tema, numa matéria que está longe de ser consensual.
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